Os deuses desterrados
Os irmãos de Saturno,
Às vezes no crepúsculo
Vêm espreitar a vida.
Vêm então ter conosco
Remorsos e saudades
E sentimentos falsos.
È a presença deles,
Deuses que o destroná-los
Tornou espirituais,
De matéria vencida,
Longínqua e inativa.
Vêm, inúteis forças,
Solicitar em nós
As dores e os cansaços,
Que nos tiram da mão,
Como a um bêbedo mole,
A taça da alegria.
Vêm fazer - nos crer,
Despeitadas ruínas
De primitivas forças,
Que o mundo é mais extenso
Que o que se vê e palpa,
Para que ofendamos
A Júpiter e Apolo.
Assim até á beira
Terrena do horizonte
Hiperion no crepúsculo
Vêm chorar pelo carro
Que Apolo roubou.
E o poente tem cores
Da dor dum deus longínquo,
E ouve-se soluçar
Para além das esferas...
Assim choram os deuses.
Autor: Ricardo Reis
(heterônimo de Fernando Pessoa)
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