26 de mar. de 2016

Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.


Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.


Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.


Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.


Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.


Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


Autor: Ferreira Gullar

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