Você sabe, não é?

Olá, tudo bem? Hoje vou compartilhar com vocês um conto com uma partezinha de cada história que eu já escrevi. Dois personagens com um pouquinho de todos que criei. Espero que gostem, boa leitura e até o próximo texto...




Quando nos conhecemos você era apenas um garoto esguio com um espaço quilométrico entre os dentes da frente. Eu não ficava muito atrás com minhas botas de combate e maria chiquinha com trancinhas, que, com o passar dos meses você adquiriu a mania de enrolá-las em seus dedos enquanto deitados no gramado nomeávamos as estrelas. Você foi o melhor vizinho que já tive, eu adorava quando passávamos horas atirando bilhetes por nossas janelas e adorava quando seu relógio, preso em seu pulso fino, tocava um alarme à meia noite e nós compartilhávamos um segredo. No colégio éramos conhecidos por “a Emma do Thomas, o Thomas da Emma”, como se fossemos uma pessoa só. Você se lembra? Eu confesso que costumava pensar assim. Eu sempre achei que seria eu e você, para sempre. 

No meu aniversário de 18 anos nós fizemos tatuagens iguais e, no final da noite você me deu um anel de plástico que acendia no escuro, com a promessa de que me mandaria um cartão postal de todos os países que visitaria durante sua viagem que durariam exatos dois anos, que não importava em qual parte do mundo estivesse sempre estaria pensando em mim. É claro que eu acreditei, porque àquela altura eu já estava completamente e perdidamente apaixonada por você. Apaixonada pelo melhor amigo, que coisa mais clichê, não? Mas eu não podia evitar, porque aos 18 você já representava todas as tentações do mundo reunidas no corpo de um homem. Seus olhos castanhos com auréolas douradas desarmava a mais esperta das mulheres. A fantasia bad boy de qualquer garota que respira, desde as toucas escondendo os fios castanhos aos braços tatuados. Com o passar dos anos você adquiriu um ar de encrenca, e, não importava o quanto as garotas do colégio tentavam se convencer de que era má ideia, no final da noite teriam cedido aos seus encantos, mas, não eu. Eu era apenas Emma, sua melhor amiga de cabelos trançados e coturnos que serviam para esconder moedas. 


No dia da sua partida eu te observava enquanto se despedia da sua família. Sua expressão atenta ao ouvir as últimas instruções de sua mãe sobre como usar uma maquina de lavar. O tapinha amigável que seu irmão mais novo lhe deu no ombro te desejando boa viagem. Você me deixou por último, até hoje eu me pergunto se foi proposital, se fez àquilo para que o último abraço fosse meu. Depois de abraçar mais uma vez sua mãe, você caminhou na minha direção com o seu melhor sorriso, é o melhor porque você só sorria assim pra mim. Sua covinha na bochecha esquerda, seus olhos fixos nos meus. Meu Deus. Você não faz ideia disso, mas eu me apaixonei um pouquinho mais por você naquele dia. E, quando seus braços me envolveram em um abraço quente e apertado eu mentalmente implorei que você ficasse. Implorei que ficasse e fosse o cara que perde um segundo de ar quando me vê, mas... você era apenas o Thomas, o meu melhor amigo de sorriso bonito e dono dos cabelos mais macios da cidade. 

Um ano e dois meses depois da sua partida, eu corri até a caixa de correio quando vi que o carteiro havia deixado um pacote, era raro você mandar mais do que cartões postais e cartas longas, mas quando mandava era algo realmente importante e que precisava ser compartilhado. As solas das minhas sapatilhas deslizaram sob a calçada congelada, mas eu não me importei, tudo que eu queria era abri-lo e me iludir com suas palavras, fantasiar que estávamos fazendo essa viagem juntos, caminhando pelas ruas de Veneza de mãos dadas. Você também não faz ideia disso, mas eu odeio aquele embrulho tanto quanto odeio mostarda e, você sabe que eu realmente desprezo a existência dela, digo, da mostarda. Você estava no norte da Itália agora, em um lugar pequeno e segundo você cheio de pessoas bonitas, foi lá que você a conheceu. Natália, o nome dela, certo? A garota que estampava cada fotografia que você enviou naquele embrulho. 


Eu chorei por toda noite. Por toda semana. Por todo o mês. 


Olha, entenda que não me doía o fato de você ter encontrado uma garota, você já tinha falado de outras garotas pra mim antes, mas o que me doeu foi que aquela garota em especial mereceu um embrulho. E a forma como você sorria pra ela – ah meu Deus – era exatamente a forma como sorriu pra mim um dia. 

Por semanas eu tentei me convencer de que tudo que eu sentia era equivoco. Que eu realmente nunca fui apaixonada por você. Mas era real demais, o sentimento era tão real que quase se tornou palpável. Depois tentei me convencer de que dois anos são muita coisa, era completamente normal que você acabasse se apaixonando por alguma gringa com sotaque. Mas, você tinha prometido que estaria sempre pensando em mim, então tentei me convencer de que tudo ficaria bem. 

O vento soprou vindo do norte e meus cabelos se agitam cobrindo parte do meu rosto. Se estivesse ali você diria que isso não teria acontecido se eu estivesse com eles trançados, eu conteria com esforço uma risada e reviraria os olhos com falsa irritação, dizendo que tranças são para pirralhas com baixa autoestima; uma piada interna nossa. Balancei a cabeça afastando esses pensamentos e puxei o casaco contra meu corpo pequeno. Chequei novamente às horas no visor do celular, estava ligeiramente atrasada e não me importava, a verdade é que estive adiando aquele dia tanto quanto pude. 

O termômetro no meio da praça estampava em números gigantes e vermelhos que naquele momento a temperatura é de 8 graus. Dá pra acreditar? Era como se o universo estivesse fazendo uma brincadeira de mau gosto comigo, começou com aquele maldito embrulho, os cartões postais que você mandou depois dele contando que ela deixou tudo para te acompanhar no restante da viagem e, terminou em você contando que iriam morar juntos, porque vocês não aguentavam a ideia de não se verem nunca mais. E eu odeio, odeio todos os cartões postais que você mandou depois daquele embrulho, porque você estava tão apaixonado que passou a se referir como: nós. Você e ela já eram “nós” e eu achava que sabia perfeitamente o que isso significava. 

Outra rajada de vento me atingiu e eu apertei meus braços contra meu corpo com mais força. Faziam mais de dois anos que nós não nos víamos, saiba que ao contrário do que você achava, eu estive evitando esse encontro por pura e simplesmente proteção a mim mesma. Eu não havia arrumado um namorado na fraternidade vizinha da minha, eu não estava saindo todas as noites e enchendo a cara de tequila. Eu estive evitando encontrá-lo, porque tudo em mim pertence a você e, eu não estava pronta para colocar um fim nisso e reivindicar a metade do meu coração que você sempre carregou consigo. 

Puxei a porta da livraria com determinada força e adentrei, sentindo o cheiro familiar de grãos de café torrado. Esfreguei as mãos na tentativa de aquecê-las e olhei para a mesinha próxima a cafeteria que fica à esquerda, bem próximo dos seus livros preferidos. Costumávamos sentar naquela mesinha para beber café e conversar sobre filmes, livros e todas as nossas paixões em comum. Você se lembra da primavera antes do meu aniversário de 18? Nós estávamos sentados naquela mesma mesinha e eu segurei sua mão depois de você prender seu dedo na cadeira, você ficou me olhando de maneira estranha enquanto eu analisava o pequeno corte e infantilmente soprava pra parar de arder. Você sabia, não é? Você já sabia que eu era apaixonada por você.  

Meus pés como de costume me guiaram para aquela direção, como se estivessem programados para fazer aquele caminho. Toquei a mesinha com as pontas do dedo e senti a rasura onde você escreveu nossas iniciais. Era provavelmente uma das poucas coisas que sobrou do tempo que você era somente meu. 
A porta da livraria se abriu fazendo os sinos tocarem avisando um novo cliente. Meu estômago gelou e não era devido à temperatura lá fora, era porque você estava ali e eu podia sentir. Parece que essa velha conexão entre nós nunca iria passar e eu temia que nunca conseguisse superar você. 
Eu estava completamente enganada quando pensei que estava pronta para aquele momento. Como eu temia, eu não estava pronta para reivindicar a parte de mim que pertence a você, ainda não estou.

Você veio caminhando de mãos dada com ela na minha direção e nos apresentou, mas, confesso que eu não prestei atenção em nada além de você. Eu senti saudade dos seus olhos, da sua voz e da forma como move suas mãos incansavelmente enquanto conta algo entusiasmado. Até hoje eu me pergunto o que aconteceu durante aquele encontro. Foi quase como se ela não estivesse ali, você me olhou fixamente como sempre fez e contou todos os detalhes sem incluí-la neles. Eu te vi olhando para o anel de plástico agora preso em uma corrente no meu pescoço, você não comentou nada, mas sorriu quando eu te peguei olhando-o, aquele antigo sorriso que era reservado só para mim. O que você estava pensando quando me viu? Por que ficou me olhando daquela maneira estranha igual olhou na primavera antes dos meus 18? E o que mais quero saber, por que depois daquele dia você sumiu?

Sua última mensagem foi há meses atrás, nela você disse que estava sem tempo e que ser adulto trabalhador consumia mais da metade dos seus dias, eu senti o ar irônico e engraçadinho naquela mensagem e dei risada quando li, porque eu te conheço tão bem. E sabe... você pode parar de me ligar, evitar a livraria, o velho café, a casa da sua mãe que é ao lado da minha, mas não pode evitar que metade de mim continua pertencendo a você. Não pode evitar que eu te conheça melhor do que suas namoradas, porque Natália se foi, voltou para a Itália e fiquei sabendo que você tem saído com outra garota. Mas eu continuo sendo a garota das tranças que sabe que sua camiseta preferida é uma velha do Red Hot, que sua cor preferida é preto, porque é a junção de todas as outras cores, e que, você comete vários errinhos de ortografia quando escreve textos longos. E eu sei que você sabe disso, sabe que não importa o quanto busque, não encontrará algo que funcione tão bem como ser “nós” comigo. Mas, sabe o que eu não sei? Eu não sei por que você continua buscando em outras, o que você só encontra comigo. Por que você continua fugindo de mim, hein? Você sabe, não é? Você sabe que continuará arrumando namoradas que terminarão com você, porque metade de você pertence a mim e as mulheres procuram amores inteiros.  

É isso, meu coração... você o têm. O teu coração está comigo, e só pra você saber... eu não pretendo devolvê-lo. Então vem, fica e seja o cara que perde um segundo de ar quando me vê. Vem, fica e vamos ser “a Emma do Thomas, o Thomas da Emma”. Por que você sabe, não é? Separados somos metades, mas juntos somos um inteiro.

5 comentários:

  1. Respostas
    1. Adorei ler novamente (mesmo que levemente modificada) um pouco mais da história da Emma do Thomas e do Thomas da Emma!

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    2. Adorei ler novamente (mesmo que levemente modificada) um pouco mais da história da Emma do Thomas e do Thomas da Emma!

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