Olá, pessoal! O entrevistado de hoje é Ricardo de Moura Faria, autor do livro O Amor nos Tempos do AI-5, um romance que se passa na década se 1970. Vocês podem conferir a resenha desse livro maravilhoso aqui.
Pra quem não sabe ou não conhece o autor: "Ricardo de Moura Faria é natural da cidade mineira de Dores do Indaiá. Reside, atualmente, em Belo Horizonte, onde trabalhou como professor de História por 35 anos e culminou sua jornada como Consultor da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais para as áreas de Educação e Cultura.
Escreveu, isoladamente ou com coautores, mais de setenta obras didáticas e paradidáticas. Sua produção foi, inclusive, objeto de tese de doutoramento defendida por um ex-aluno.
Por um tempo, foi também fotógrafo, tendo realizado quatro exposições, todas em Belo Horizonte.
Aposentado, enredou pelo ramo da Literatura, com um projeto que germinava há mais de dez anos, agora publicado."
Escreveu, isoladamente ou com coautores, mais de setenta obras didáticas e paradidáticas. Sua produção foi, inclusive, objeto de tese de doutoramento defendida por um ex-aluno.
Por um tempo, foi também fotógrafo, tendo realizado quatro exposições, todas em Belo Horizonte.
Aposentado, enredou pelo ramo da Literatura, com um projeto que germinava há mais de dez anos, agora publicado."
Vamos então à entrevista?
Entrevista
1.
Você acha
que se não houvesse a revolução e a pressão popular para o fim da ditadura, o
país ainda teria esse sistema político ou a pressão das grandes potências faria
esse trabalho? Como seríamos hoje, caso a história fosse diferente?
2.
Há uma
diferença cultural gritante entre a década de 70 e os dias atuais. Por exemplo:
a música de antigamente tinha letra, conteúdo, os cantores/compositores se
expressavam através da música; hoje qualquer rima pobre e mal feita é
considerada música e é cantada e ouvida por multidões. A pornografia, apesar de
presente em ambos os períodos, era mais sutil antigamente do que hoje, que é
totalmente explícita. Você acha que o fim da ditadura militar e da rigorosidade
da censura influenciou o rumo que a cultura brasileira tomou ou o mundo/a vida
só está seguindo seu curso?
A pornografia também. Eu me recordo de quando apareceram as primeiras “revistas” importadas da Suécia, da Dinamarca, e eram exemplares que passavam de mão em mão, despertando a sexualidade dos adolescentes para coisas que os pais deles jamais imaginariam que pudessem existir e, mais ainda, que pudessem ser fotografadas e impressas. Hoje, a internet se tornou o maior veículo de produção e divulgação de pornografia. São milhões de filmes, bilhões de fotografias, que estão à disposição de quem quiser ver. Pedofilia, zoofilia, estupro, violência (sempre contra a mulher ou contra os homossexuais) são as características desse verdadeiro tsunami pornô que entra em todas as casas.
Não acredito que isso seja efeito do fim da ditadura, pois é uma tendência mundial. Nós apenas seguimos o caminho... péssimo caminho, diga-se de passagem.
3.
Você
acredita que sua história teria sido publicada no período em que ela acontece
ou a censura teria barrado?
4.
Apesar de
ter sido um período negro na história do nosso país, deve ter havido algo de
bom naquele período (talvez não proporcionado pelo governo em si). Você sente
saudades de alguma coisa da década de 70? O que tinha naquela época que não
temos hoje?
Sim, ele foi bom para muita gente. Principalmente para aqueles setores da sociedade que apoiaram desde o início o golpe contra João Goulart. Ele foi bom para os grandes empresários, que lucraram muito com o fim da estabilidade no emprego para os trabalhadores, que obtiveram ganhos fabulosos com o achatamento dos salários, com a proibição de greves, com sindicatos controlados. Ele foi um período ótimo para os EUA, que tiveram grandes facilidades para investir por aqui. Ele foi bom para as grandes empreiteiras que fizeram obras e mais obras faraônicas, se enriqueceram, se fortaleceram e o resultado nós estamos vendo hoje com a execração pública do controle que elas passaram a ter sobre os partidos políticos...
Sim, ele foi péssimo para muita gente. Principalmente para os trabalhadores, pelos motivos que abordei no parágrafo anterior. Foi péssimo para professores e estudantes e isso fica muito claro no romance, porque livros foram proibidos, ideias diferentes foram censuradas, órgãos de representação foram fechados, entre outras coisas. Foi uma tragédia para a cultura brasileira, censurando tudo que se pode imaginar na música, na literatura, no cinema, no teatro, obrigando artistas a se exilarem (Chico, Caetano, Gil, por exemplo). Foi muito, muito ruim para quem não concordasse com as posturas econômicas e políticas oficiais, um exemplo é a presidenta Dilma, estudante na época e que foi tremendamente torturada. A luta armada não era uma proposta de ninguém, ela foi uma reação (da qual eu discordava na época) à opressão que se abateu sobre o país. Minha discordância, inclusive, está exposta no romance, na figura de Afonso.
Foi ruim especialmente para a democracia brasileira, que já era frágil...
Você decide: foi bom ou ruim?
5.
Na contra
capa do seu livro diz o seguinte: "As personagens são ficcionais,
porém, nelas se percebe algo familiar, pois traduzem muito da experiência de
vida do autor e de muitos que presenciaram aquela tumultuada fase de nossa
História. Portanto, alguma semelhança talvez não seja mera coincidência.".
Você passou por algo semelhante ou igual? De onde veio a inspiração para
escrever sobre algo que mesmo para hoje não é muito aceito, o casamento aberto?
Foi de suas próprias experiências?
Quando eu afirmo as “experiências de vida do autor”, estou me referindo ao fato de que, em 1971 e 1972, época em que o romance se desenrola, eu era estudante universitário e participei, vi e ouvi coisas que coloquei no livro, porém, não as estabeleci para o Afonso e sim para a Haydée...
Alguns exemplos, logo do início do livro: Haydée organiza um mural na sala do Centro de Estudos para levantar o astral dos alunos – foi o que eu fiz quando assumi a presidência do Centro de Estudos; ela é chamada a depor num inquérito doido para explicar os “seios fora do lugar” das calouras – eu que tive de enfrentar um coronel da PM pra responder a esse inquérito; ela foi nomeada para a comissão encarregada pelo diretor de redigir os estatutos do DA e do DCE – eu é que recebi essa incumbência do diretor; aquela viagem à Amazônia descrita por ela – eu que fiz essa viagem com duas colegas.
Inclusive, você deve estar lembrada de um colega que também participava da elaboração dos estatutos, o mais revolucionário e que depois some – ele existiu sim, e o sumiço dele foi porque ele se juntou ao grupo que tentou a guerrilha do Araguaia e lá foi morto.
Passando para o final do livro: Haydée vai estudar as matérias pedagógicas na Faculdade de Educação. As cenas que ela desabafa com Afonso, sobre a professora de Didática que dava aulas de costas para duas alunas que tinham gargalhado de um fato que ela narrara; da professora que afirmara “Piaget não tem nada a ver com a psicologia da educação”... tudo isso eu ouvi, já que era aluno delas...
Foram essas experiências que me motivaram escrever o que está na contra capa.
Agora, pelo fato de eu ser professor de História e ter colocado o Afonso também como professor desta disciplina, outra confusão se forma na cabeça das pessoas, achando que o Afonso sou eu. Mas pense bem: para o desenrolar da trama, ele teria de ser professor da área de Humanas. Se fosse da Matemática, que livro proibido Haydée iria ler na casa dele? Como eu estou familiarizado com a bibliografia da ciência História, eu tive de colocar o Afonso como professor de História...
Se não fosse da área de Humanas, será que ele teria sensibilidade para viver o casamento aberto? Duvido. Praticamente todos os professores de Matemática, de Física, de Química, que conheci em minha trajetória eram machistas, preconceituosos, que contavam vantagem se saiam com alguma aluna, que traiam suas esposas e não faziam questão de esconder isso dos amigos...
E eu notei, na sua resenha, em outras, e nos comentários dos blogues, que muitas pessoas se escandalizaram com o casamento aberto. E sabia que isso era comum naquela época? E que continua a ser? Não vou revelar nomes, mas conheci muitos casais que o praticavam, e isso foi mais um motivo que me levou a traçar essa rota para o meu romance.
Permita-me acrescentar aqui um parágrafo de uma resenha já feita e que publiquei na minha fanpage.
“O amor nos tempos do AI-5” traz à vista o que é comum e normal na vida de um casal, mas que na boca de moralistas é perversão sexual. Se quiser saber, na verdade, o que é perversão leia o livro “Os 120 dias de Sodoma” de Marques de Sade. O que Ricardo de Moura Faria diz, através das palavras e ações dos quatro personagens principais, é que o conhecimento e a consciência proporcionam a liberdade e o respeito, sem os quais os atos sexuais são indignos.
6.
Infelizmente
a literatura nacional sofre muito preconceito (grande parte dos leitores
brasileiros não gosta de nacionais) e, com isso, há uma dificuldade de se conseguir
publicar por uma editora grande. Em sua jornada com seu romance, quais foram as
dificuldades que você enfrentou para publicá-lo, divulgá-lo e conquistar
leitores?
Eu
estou entrando nessa seara agora. O que posso falar a respeito, portanto, é o
resultado de minha experiência. Não foi algo agradável. Enviei o original para
uma editora tradicional, respeitada no mercado livreiro, tive a promessa de
receber a resposta em aproximadamente três meses. Seis meses se passaram.
Enviei um email questionando, não obtive resposta. Mais três meses, novo email
e já deixando claro que queria enviar o livro para outra editora, mas não o
faria por uma questão ética, eu precisava ter a resposta. Que fosse negativa,
porque era isso que eu imaginava dado o silêncio. Continuei sem resposta. Ou
seja, um ano após ter vencido o prazo de três meses que eles próprios
definiram, eu continuava sem resposta. Não tive alternativa: enviei outro email
considerando que o silêncio significava recusa e, portanto, eu me considerava
livre para apresentar a outra editora.
Foi
o que fiz e tive a surpresa de ser aceito. As condições eu considerei meio
draconianas, mas entendi que, sendo o primeiro romance de minha autoria, eu
teria de me submeter. Eles exigiam que eu adquirisse uma parte da edição. Me
cobraram um valor alto, mas eu paguei. Livro publicado – justiça seja feita,
produção esmerada – eu vi que eles estavam repassando o livro para as
distribuidoras praticamente pela metade do preço que me cobraram. Reclamei e
tive como resposta que “amigos compram o livro no lançamento pela amizade com o
autor” e que eles vendiam mais barato para divulgar o autor. Claro está para
mim que, se houver uma segunda edição, não será com esta editora.
Já
conversei com pessoas que me disseram ser essa uma grande reclamação de autores
novos.
Até hoje não vi praticamente divulgação nenhuma feita pela editora. Tudo que consegui foi graças às amizades, familiares, ex-alunos e agora estou batalhando nessas feiras. Vamos ver se o resultado melhora!
Eu
acredito, por esta pequena experiência, que as editoras tradicionais só se
interessam por quem já tem nome sacralizado. E editoras novas, lutando com
poucas armas, publicam, mas não tem cacife para divulgar bem.
7.
E
antigamente (eu gosto de saber sobre antigamente, sou extremamente curiosa..
risos), quais eram as dificuldades dos escritores para publicar romances?
8.
Você acha
que o hábito de ler cresceu ou decresceu de lá para cá? Ou se manteve estável?
O que você acha que proporcionou essas mudanças, caso tenha havido alguma?
Acabei de ver um dado, em 2015, 52% dos brasileiros liam. Ainda é pouco, o ideal seria, a meu ver, uns 85 a 90% da população. Não tenho esse dado para 1970.
Sem dúvida, o que impede que mais pessoas leiam, no Brasil, é o preço do livro. Ele podia e tinha de ser bem mais barato!
9.
Com relação
à educação, quais as principais mudanças, positivas e negativas, que
aconteceram de 1970 para cá? Eu sei que o índice de analfabetismo decaiu, mas a
qualidade do ensino (público) também. E infelizmente tem decaído cada dia mais.
Quais as mudanças que você enxerga para nosso futuro com a atual situação
política, financeira, social e educacional do Brasil?
Com sinceridade, depois de lecionar 35 anos eu vejo o que anda acontecendo nas escolas, principalmente as públicas, aquelas localizadas nas periferias e não imagino que algum professor, mal formado nas universidades privadas, consiga educar os alunos. Sim, educar, porque informar não é necessário ir à escola para tal, informação se pega na internet. Mas trabalhar essa informação, analisar a ideologia presente nos jornais, revistas e noticiários da TV... difícil pensar em algum futuro para o país.
Crises políticas, econômicas? Elas vêm e vão. Já vivenciei muitas e sobrevivi a todas!
Falência educacional? Não tem cura. Leitura ajuda, mas não cura.
10. Por último, tem algum recado que gostaria
de dar para os leitores? Fique à vontade...
Gostaria de agradecer ao autor pela maravilhosa entrevista - com certeza a melhor que já fiz até hoje - e desejar sucesso na carreira e na vida também. Que venham outras obras e, com elas, novas entrevistas.
Espero que vocês tenham gostado e deixem suas opiniões nos comentários.
Vocês podem comprar o livro clicando aqui.
Beijos e até a próxima! :*
Obrigado pela publicação da entrevista! Foi extremamente fiel!
ResponderExcluirEspero que ela ajude as pessoas a se interessarem pelo livro.
Beijos
Ricardo
Não conhecia o autor nem o livro, mas depois de ler a entrevista fiquei extremamente interessada! Vou anotar na minha listinha...rs
ResponderExcluirAnote e leia o livro, é excelente!:)
ExcluirDeslumbrante !!! Estou apaixonada por esse escritor !!! Com toda certeza vou ler o livro !!!
ResponderExcluirLeia mesmo! Vale muito a pena!:)
ExcluirOlá, Nathalie!! Fiquei encantada com a entrevista e com o tema do livro :) Certamente lerei !!! O escritor vende o livro ou pode ser encontrado em livrarias :) ?
ResponderExcluirOlá, Luana! Ele está a venda na Saraiva online e com o autor só compensa comprar se vc for de BH ou região, por conta do frete. :)
ExcluirGostei muito da entrevista. Ela vai contribuir para que o livro "O amor nos tempos do AI5" desperte mais curiosidade e interesse em sua leitura. Eu sou testemunho do ambiente no interior das universidades nos tempos do ato institucional. A comunidade acadêmica só tinha um pouco de liberdade quando se inter-relacionava. Um grande abraço para Ricardo.
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirQue entrevista! Perguntas mais que pertinentes e que mostram um ponto de vista de quem viveu esse momento. Não conhecia o livro, mas me interessei muito por ele, gosto muito de livros que são baseados ou que tenham plano de fundo algum fato real.
Olá! Eu também gosto muito de livros com temáticas reais e quando se passa em nosso país é melhor ainda, né?
ExcluirOLá! parabéns pela resenha! Não conhecia o livro e achei super informativa a entrevista com autor! Não apenas conhecemos um pouco mais sobre ele, como aprendemos mais um pouco sobre esse período, beijos!
ResponderExcluirObrigada! É sempre bom ouvir de fontes e pontos de vista diferentes, faz a gente meio que tirar nossas próprias conclusões.
ExcluirCheguei a conhecer o autor pelas redes sociais, mas não conversei com ele ainda. O livro soube por você e adorei a resenha que você fez. Adoro livros de época nacionais, sempre me ensinam mais sobre a história do país. Suas perguntas foram ótimas e as respostas dele melhores ainda! Como também sou autora iniciante, sei do sufoco das editoras e da pouca divulgação dos nacionais. A melhor divulgação é a que nós próprios fazemos e mesmo assim.... Muito bom conhecer mais do Ricardo! bj!
ResponderExcluirQue bom que gostou! :D
ExcluirOi Nathalie, sua linda tudo bem?
ResponderExcluirVou lhe dar os parabéns pela entrevista, fiquei grudada lendo as respostas, muito interessante mesmo. O que mais chamou minha atenção foi a questão da educação que ele citou, infelizmente está falida. O que nos remete para outra pergunta sobre a qualidade das músicas. Eu vivia na biblioteca nos tempos da escola. Hoje, as crianças e jovens não gostam de ler, querem a informação rápida e mastigada que a internet oferece. Desejo sucesso ao autor!!!
beijinhos.
cila.
Oi, Cila! Obrigada e que bom que vc gostou. Realmente, o nível intelectual vem caindo bastante e os jovens têm preguiça de pensar e de resolver seus próprios problemas. Tenho medo/pena dessa geração no futuro.
ExcluirOi Nat, achei muito interessante a entrevista, não conhecia ainda o autor.
ResponderExcluirSó que acho em minha humilde opinião que a ditadura não foi somente de todo má, pelo que sei de pessoas que viveram naquela época a violência era mínima, e foi onde se construíram todas as maiores obras hidroelétricas e de engenharia, claro que teve excesso, nenhuma ditadura é boa, mas foi exatamente contra uma possivel ditadura Comunista estilo cubana que acabou surgindo a militar, e entre uma e outra prefiro a segunda, :D
Eu acho que muito do que contam na história da ditadura é um pouco aumentado, e meu Deus essa minha opinião é só minha, não quero que comessem a me xingar pelo amor de dadá, afinal se gostam de liberdade de expressão opiniões opostas devem ser respeitadas .
Como você disse hoje em dia tem muita arte lixo que na época não tinha pela censura, não concordo com censura e muito menos com o que houve como as violências descabidas, mas taxar todo militar dessa época de "demonios" é muito conveniente principalmente para os comunistas que cometiam crimes e inclusive assaltos, mortes e tortura.
beijos.
Oi, Giuli. Meu pai também só tem elogios pra ditadura... Rsrs É como o autor falou: foi boa pra uns e ruim pra outros. Eu como não vivi nessa época não tenho condições de dizer se pra mim foi boa ou ruim. Mas acho que apesar de todas as bonanças, a parte ruim, de perda de liberdade de expressão, censura (se bem que uma censurazinha pra umas "músicas" de atualmente não seria ruim.. Rsrs), toque de recolher etc, supera a parte boa. Pelo menos pra mim. Existem coisas que eu prezo muito e viver sem elas não dá. Rsrs
ExcluirBeijos!