Resenha: O Vestido

Título: O Vestido
Autor: Carlos Herculano Lopes
Editora: Geração Editorial
Páginas: 199
Ano: 2004



A resenha de hoje é de um livro que marcou minha vida de leitora por ter sido o primeiro livro que li, o livro que me despertou interesse pela leitura.


Um livro nacional que advém de um poema maravilhoso de um poeta que simplesmente eu amo. O Vestido é um romance baseado no poema “Caso do Vestido” de Carlos Drummond de Andrade.
O autor logo de início traz uma citação de Ezra Pound que tem tudo a ver com o poema, consequentemente com o romance: “... Aquilo que tu mais amas não será tirado de ti/ Aquilo que mais amas é tua verdadeira herança”


Em O Vestido a gente acompanha uma “história de amor” que foge do normal ( o que não quer dizer que não acontece na realidade), além do mais se trouxermos para a realidade de hoje: uma mulher que por amar seu marido o entrega a outra, para assim deixá-lo feliz.
Assim como no poema a narrativa do romance é feita pela mulher às filhas, Angela  é a esposa traída, tem duas filhas de Ulisses, o qual trai a esposa com Bárbara. Duas mulheres com personalidades extremamente  distintas; Angela retrata perfeitamente a mulher submissa ao marido, “bela, recatada e do lar”. Bárbara por sua vez simboliza a mulher que foge dos padrões da época, sendo ela uma mulher independente que se porta da forma que lhe convém, mas de má índole.
O vestido, o objeto no qual tudo se desenvolve, é o que da sentido a tudo. Carrega um mistério que nos deixa intrigados, se foi isso que o autor quis ele conseguiu. A história começa e termina com ele. Tudo começa quando as filhas querem saber os segredos em volta daquele vestido que a mãe guarda como um troféu. Então ela conta que ganhou o vestido do marido para usar no réveillon, um vestido que ela sentia não lhe pertencer. Tão tal que ela dá é presente a mulher que toma seu marido (claro que isso só acontece depois).
Bárbara é levada à cidade pelo seu primo Fausto, que é “amigo” da família há anos, mas também é perdidamente apaixonado por Angela (todos já sabiam disso, inclusive Ulisses). Aquela mulher não chegou a cidade por acaso, muito menos para fazer uma visita, tinha uma “missão”: acabar com o casamento de Ângela e Ulisses.
Angela conta todo sofrimento e humilhação que passou ao ser abandonada pelo marido, compara a um escravo que havia na região. O leitor ora sente pena, ora sente raiva por ela permitir e chegar ao ponto de pedir a outra que durma com seu marido para a felicidade dele (quando ela faz isso dá vontade de dar uns tapas nela). Enfim... é um romance único, inesquecível, que apesar de tudo encanta do começo ao fim. Tem uma narrativa poética, similar a drummondiana. Com capítulos curtos, linguagem simples, e uma historia envolvente  a leitura é rápida.
Não preciso nem dizer que recomendo, não é?! Segue abaixo o poema. Boa leitura!



Caso do Vestido
Carlos Drummond de Andrade

Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio.  Disfarcemos.
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
Vosso pai sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,
última peça de luxo
que guardei como lembrança
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.

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